quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Jorge 9 - Abutres na areia.

Descanso dos vitoriosos sempre é bom, mas nem sempre é sentado do lado do cadáver da mulher leão que você acabou de matar... Na guerra a gente fica com o que tem; lá fora tá um sol da moléstia, aqui dentro tá um pouco mais fresco, e ainda é na sombra...

Tô vendo a Lorivana e o Raptic olhando bem de perto toda a decoração da casa, cada copo dourado, cada prato... Eu já tenho meu copo de colocar água, não preciso desses outros; o meu ainda por cima tem tampa, aí a água não cai quando eu viro ele de cabeça pra baixo. Esses outros copos eu só vi lá no castelo do rei anão, aquele que me deu o Christofar... O rei... O rei pai do Clóvis! E lá vem a Lorivana me dizer pra colocar todos esses copos na mochila. Pra quê, se eu já tenho um copo? Mostro a ela o meu copo, falo que não precisamos dessas coisas todas, mas ela tá muito preocupada da gente deixar tudo aqui... Lembra que antes foi a mesma coisa com as moedas? Eu acho que essa halfling tem um problema com coisas brilhantes. O Raptic também vem me dizer que acha que a gente tem que levar tudo. Eu nem sei se vai caber tudo na mochila. Esses dois tão ficando é loucos, mas vá lá, deixa, depois a gente vai precisar colocar uma coisa realmente importante na mochila, e não vai caber, porque tem uma cozinha inteira aqui dentro!

Olhamos a cozinha da dona Margarida, e alguém me diz que tem uma alavanca de puxar. E a Lorivana tá lá olhando bem de perto e apalpando a alavanca, acho que ela é muito pequena pra conseguir puxar, coitada. Ainda bem que Jorge está aqui! Chego heroicamente e, com uma mão só, puxo a alavanca! Ela mal consegue acreditar no que eu fiz! Vejo seus olhos se arregalarem de espanto... Fico feliz de ter ajudado uma companheira, mesmo que seja depois dela ter enchido a nossa mochila com copos inúteis...

O chão tá abrindo! Gente, o chão tá abrindo! ABRIU O CHÃO! Ó, uma escada... Vamos descer a escada? Tá todo mundo de acordo com a gente descer a escada que abriu no chão da cozinha da casa da mulher leoa que acabamos de matar? Tá bom então, vamos descer a escada... Eu vou na frente, já que estou me sentindo heroico hoje. Mas alguém vai lá fora antes pra buscar meu cavalo! Beleza!

Desci a escada, que terminou em um corredor. Está bem escuro, mas meus olhos de anão conseguem ver perfeitamente. E eu vejo que esse corredor não tem teto, ou se tem, não dá pra ver. E eu vejo os musgos nas paredes de pedra, as teias de aranha que vão até lá em cima, e até o chão. E eu vejo o chão transparente, de algum metal que não conheço, e por baixo, eu vejo cabeças de defuntos, mortos há muito tempo. Cabeças de muitas espécies diferentes, todas amontoadas debaixo desse chão invisível. Lorivana acende uma tocha, esqueço que ela não tem essa dádiva da visão.

E vamos andando. Andando... Andando...

Andando...

Andando...

Andando...

E essa porcaria não acaba! Eu juro que agorinha eu vi uma pessoa dentro da parede! Mas a parede é de pedra, não dá pra ter gente lá dentro, dá? Não sei, mas que eu vi, eu vi. Droga de túnel. Eu sinto que já tem 5 dias e meio que to andando sem parar aqui dentro. Tômuitoirritadomesmonãoseicomoqueeuaindanãomateiumdessescarasaquinesseescuro.

Cinquenta e sete dias depois, saímos desse inferno, graças à Paçoca, que me disse que era melhor continuar andando em frente do que voltar esse pedaço todo. Puxei outra alavanca, e abriu uma saída. Nunca se sabe o tanto que o sol do deserto faz falta até ficar 3 anos dentro de um túnel.

Bem na nossa frente, um enorme castelo. Parece que tem uma camada no ar, com uns desenhos. Os cavalos não vão adiante, então desmonto e vou caminhando na areia em direção à camada. Um velho aparece, e já sabemos o que vai acontecer. Ele fala "quantas maçãs dá pra colocar num cesto?", e já respondo, porque essa eu sei: são oito! Eu sei disso porque uma vez fui colher com o Grumj. Imediatamente a areia começou a se remexer debaixo dos nossos pés, e vamos afundando aos poucos. Do meio da areia pulam duas harpias e começam a nos sobrevoar. Ah, esses abutres... Como eu ODEIO abutres! Carniceiras malignas, enganadoras, sereias dos ares! Difícil bater em harpias que voam enquanto você se afunda no meio do deserto, então pego uma delas pelo pé de galinha, e isso me mantém o suficiente, o problema é manejar a espada e segurar essa maldita ao mesmo tempo.

Lorivana vai se afundar completamente em pouco tempo. Não estou preocupado com os outros, são elfos e quase elfos. Embainho minha espada e grito pra ela se segurar na minha mão, e uso minha força pra puxá-la e lançar com cuidado no dorso da harpia. Deu certinho, se cooperassem, as harpias seriam ótimas montarias voadoras para halflings, mas harpias só servem mesmo pra virar cadáver. Lorivana penetra sua espada no pescoço da criatura, e Raptic tostou a outra. Assim que morreram as abutres, a areia fez questão de nos levantar, e a camada do ar desapareceu.

Entramos no castelo. Escuridão total. Não consigo ver meus companheiros. Nunca passei por isso. Não sei o que esperar. Não consigo ouvir ninguém também. Uma luz verde começa a iluminar o salão. Do outro lado vejo um anão, quase do meu tamanho, quase do meu porte. Sinto nele a fúria dos anões das profundezas, e já sei que minha guarda não pode se abaixar nesse momento. Lutamos ferozmente em combate singular, e a cada golpe da minha espada, ele parecia ficar maior. Até que tinha o dobro do meu tamanho. Sinto o sangue na garganta, minhas pernas bambeiam. Solto um urro de dor. Alihanna me dê forças. Giro a espada mais uma vez, quase morto, mas melhor que esse outro anão, que está totalmente morto. As luzes se acendem, vejo os outros agora, e sinto um calafrio. Um mal agouro. Como se o vento tivesse passado através de mim, e por um instante senti medo.

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